sexta-feira, 6 de abril de 2018

Meu Primeiro Amor (sem aspas)

Entre um murmurinho e outro ouvi pessoas dizendo que você não me colocou limites...

Para ler este amor indico uma trilha: Guilherme Arantes -  Êxtase

Só porque não levantou o chinelo, tirou o cinto ou usou um tom mais alto.
Realmente, você não me colocou limites por aqui, o limite que me dava era o céu.


Elaine: Pai, não consigo parar de contar. Onde os números acabam?
Pai: Deita aqui na rede e espia o céu.
"Os números são infinitos, as notas musicais, o céu também. E é assim que deve ser seus sonhos e sua vontade de realizar"
(José Tenório)

Não tive limites quando assunto era auto-estima. Quando eu não gostava do meu cabelo natural você me olhava nos olhos e dizia: "Seu cabelo combina com você todinha. Deus te fez perfeita!". Mesmo quando me faltava/falta/faltou, você não limitou minha auto estima.

Não limitou meu gênero. Era boneca, carrinho, casinha, joguinhos. Na rua? da corda, a bicicleta, patins, pipa, peão e bolinha de gude. Gostava de me maquiar, mas o joelho vivia ralado. De saia e não ouvia a frase "menina fecha a perna".

Minha inteligência? não limitou nem quando a nossa fé trazia nos ensinamentos a limitação. Música, Teatro, Dança, Parques, Museus, História, Geografia, Revistas, Livros do Gibi as enciclopédias. TV na cultura. Me ensinou que alguns programas não eram adequados e me explicava pacientemente sem perder o eixo enquanto eu jogava um zilhão de pontos de interrogação em cima da sua pessoa que também estava aprendendo a me ensinar. Me trouxe o lúdico, mas percebeu quando perguntei sobre a morte que o lúdico já não era o meio, porque ali questionei o que eu já sabia. Lembro que seu rosto não foi de decepção por me perceber "espertinha", mas um riso de orgulho por me ver crescer.

Não limitou meu sexo. No primeiro flagra enquanto descobria sozinha que meu corpo gerava prazer, aos berros da mãe sua voz calma bordava "deixa a menina. Isso é natural" (José Tenório).

Você não limitou, mas entendia as limitações de terceiros e me levava no cantinho para me ensinar e não me limitar.
"Cuidado, isso não se faz em qualquer lugar e nem perto de ninguém. Mas não se preocupe, não está fazendo nada de errado. Você ainda vai dividir esse momento com alguém e guarde isso. Você precisa aproveitar tanto quanto a outra pessoa. Do contrário se sentirá usada." (José Tenório)

Você nunca me limitou, mas me ensinou a botar limites e acreditar que era capaz de resolver qualquer problema.
"Se algum adulto fizer qualquer coisa que te incomode, você pode pedir que pare e deve usar a palavra não, você pode se defender. Se ficar muito difícil, estou aqui" (José Tenório)

Você nunca me botou limites, mas me ensinou valores, o certo e o errado. E quando eu falhava na missão ahhhh... Uma pena para quem não podia ver e aprender com sua forma de ensinar.

Calmamente me botava de castigo, se privou de lazeres com mamis. Enquanto eu berrava resistindo a lição, você se embrulhava na coberta e simplesmente dormia e se mantinha firme na decisão de EDUCAR, porque nem no meu choro você botou limites. Porque emoções devem ser sentidas, vividas e derramadas, né?

Diziam:
"Ela se jogou no chão", "Ela fez um show na rua", "Ela fez birra, "Ela está muito manhosa" E você ouviu com uma expressão neutra

E mesmo quando tentaram me difamar (e você sabia que eu era capaz de tudo isso), ao contrário de todos que me cercavam, você me chamava na nossa varanda, na rede e batia um papo cabeça, olho no olho feito gente grande. Sem subestimar minha inteligência, sem vozinha "nhenhenhe", sem trocar letras nas palavras para parecer fofo. E por isso com você eu era diferente, agora saquei!

Nosso amor não foi perfeito, mas teve momentos perfeitos e que nem com toda imperfeição vou esquecer. Se te guardo no peito mesmo a distância e sem poder seguir alimentando este amor é porque você foi mais que um pai, foi um Mestre, foi meu primeiro e maior amor.

E desse Mestre sinto falta, e desse amor sinto uma saudade sem fim porque igual não haverá.

O tempo retorna as lembranças para que eu me lembre. Qualquer dor que me causou foi sem intenção (venho tomando consciência sobre) e não desabona o amor que teve por mim.

Ao meu Mestre, ao meu primeiro amor, ao meu pai ... Para sempre e sempre! AMOTE